Poeta Jessier Quirino – Doce de Leite de caroço


Doce de leite de caroço 
(Jessier Quirino)

Ricardinho que foi estudar na capital conversa com o coronel, seu pai: 

__ Papai, os professores estão querendo vir aqui no sertão conhecer a sua propriedade. 

Ele disse: 

__ Traga meu, fi. Traga seus professor que seu pai fica sastifeito! Porque meu fi, já é doutor Ricardo, meu fi já é graduado, pós graduado, meu fi é um doutor de duas largura. Traga seus professor que seu pai fica sastifeito. E nois vamo fazer um armoço pra agradar seus professor que são educado. Eu vou pedir a sua mãe pra fazer uma perua Jandaia de primeira postura torrada numa panela de ferro fundido numa fogueira de lenha de Angico, que é o melhor armoço que nos pode dar pros seus professor que são educado. Agora, pra não ficar só na perua, a gente faz um jerimunzinho com bode, ova de curimatã, xerém com graça e cebola, doce de banana anã, um prato de farofa d’água com coentro e cebola roxa; do frango de capoeira: moela, pescoço, coxa. Cerveja com tripa assada, com mão de vaca, buchada, gororoba, rubacão, já tá me dando um desejo de fornear um leitão, tomar uns quatro pifão e receber seus professor que é uma sastifação , meu fi. É sastifação pro seu pai. Agora pra não ficar só na perua, a gente faz também uma sobremesa do gosto de seu pai. Você vai permitir. 

__E o que é, papai? 

__Ricardinho, eu vou pedir a sua mãe pra fazer uma tirrina de doce de leite de caroço, que é o melhor doce de leite que existe no mundo! Vou mandar azedar o leite , pra fazer aquele doce que fica se amocegando um no outro , uma nata fica se amocegando uma na outra e é o melhor doce de leite do mundo. Pronto! A gente serve essa perua Jandaia, serve essa tirrina de doce de leite de caroço, pronto! Quando acabar o armoço a gente serve uma bacia de seriguela gelada. Num precisa mais nada! Num precisa mais nada, nada, nada! Um armoço simples pra receber seus professor que são educado. Aí, chega o dia do almoço, o velho está na cabeceira da mesa, os professores de um lado, os filhos do outro e a dona da casa, dificilmente senta! Na verdade, a dona da casa gosta de administrar o almoço. Ela tem aquela coisa de administrar.

__Mamãe! Mamãe! Sente aqui, olha os professores! 
__Não, Ricardinho. Daqui a pouco eu sento! 
Vá comendo... 
__Mamãe, sente aqui! 
__Daqui a pouco eu sento! Vá comendo aí.
Ela bota um avental e fica assim. 
__Menino, você não comeu nada! Nada, nada, nada. 
– E empurra comida no prato. Se você
não comer é uma desfeita!
E está o almoço rolando e daqui a pouco ela diz: 

__Luis! Ô Luis! 
__Que é, Zefinha! 
__ Vem cá , Luís! 
__ Zefinha, nós tamo se servindo. 
__ Vem cá, homi de Deus! 
Que nós tamo com um problema de etiqueta por conta dos
professor educado! 
__ O quê, Zefinha? 
__ É o teu doce de leite. 
__ Num tem não, é? 
__Tem !!!! Mas, o problema é de etiqueta porque nós só temo seis pire. E como é que nós
vamo servir esse doce de leite. Boto os seis pire pros povo que são educado E os daqui,
como nos prato? 
__ Não! Não! Não! Não! Aí fica fei, Zefinha! 
__ Então! Pobrema de etiqueta! Eu boto nos pirizinho de café pequeno? 
__ Não, Zefinha! Aí é pouco doce! Probema de etiqueta, Zefinha! Ô Zefinha, pruquê tu
num avisasse, Zefinha! Que nós tinha ido na feira comprar um garajau de pire.
Eu sei que o velho fica naquele negócio e daqui a pouco: 

__ Vamo simbora! 

Vamo fazer o seguinte: a mesa todinha come nos seis pire. Bota
primeiro pros professor educado, depois bota pra família e a gente laiga o pau a conversar.
Porque os professor vão terminando e vai dano tempo de lavar os pire e voltar pra família
de casa. Então a mesa todinha come nos seis pire. Vamo simbora!
E o velho voltou pra mesa. 

Daqui a pouco, chega a mulher: 

__ Minha gente, agora um docezinho de leite de caroço! 
__ Afe Maria, Ricardinho! Vou quebrar a dieta. – Diz a professora .- Vou quebrar a dieta!
E o velho com água na boca. E diz: 

__ Adeilde! Ô Adeilde! Me dar um prato de sopa pra mim, um prato de sopa pra mim. Só
pra mim! O que é, Zefinha? O que é, Zefinha! Que etiqueta! Os professor sabe que nos
somo sertanejo! Deixa, Adeilde ! Ó a cara de Zefinha! Etiqueta! Etiqueta!!! Eu espero o
meu pire. Eu espero! Eu espero!
O velho ficou lá, aborrecido, esperando o pire dele. Daqui a pouco, a professora do
lado dele pega o pires dela: 

__ Menina! Esse doce de leite é bom demais! Huuummm! Uma delícia! Uma delícia esse
doce! Oxente, seu Luis! E o senhor não gosta, não? 

__ Afe Maria!!! Eu do o cu por um pire desse, professora!


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