O cavalo do Matuto | Chico Pedrosa

O CAVALO DO MATUTO


Quando a estrada é estreita
Um dos dois tem parar
Pra dar passagem ao colega
Que não pode se atrasar

E não adianta insistir
Bater boca, discutir
Querendo ser importante
Porque na nossa existência
A melhor coisa é prudência
E respeito ao semelhante

Falo assim porque lembrei
De um amigo do passado
Que sonhando com a chuva
Tomou dinheiro emprestado

Consertou cerca e palhoça
Fez açude, plantou roça
Da maneira que sonhou

Quando inesperadamente
A seca tomou a frente
Nem Macambira escapou

Afora a destruição
Feita pela estiagem
Ficaram alguns animais
Na ressequida pastagem

E desses, João vendeu dez
Pagou dois contos de réis
Que alguém havia emprestado

Sobraram duas vaquinhas
Uns bodes, umas galinhas
E o seu cavalo de prado

Com o resto do dinheiro
Da venda dos animais
Pagou açougue, farmácia
Armazém e os demais

E depois das contas zeradas
Tomou algumas lapadas
De aguardente brejeira

E a noite pegou pensar
Vou ter que negociar
Alguma coisa na feira

No sábado pela manhã
Montou-se no seu cavalo
E foi pra feira do rolo
Procurar negocia-lo

Assim que se desmontou
Um esperto perguntou:
"O cavalo é pra vender?"
João sorrindo disse:
"É"
"Quanto custa o pangaré?"
"O senhor pode dizer?"

Quem vive em feira de troca
Nós sabemos muito bem
Que não tem nada de bobo
E nem se curva a ninguém

Que procura se mostrar
É engano alguém pensar
Que esses matutos são imbecis
Mal informados, são cidadãos
Preparados para o mundo espertalhão

João olhou na cara dele
E disse:
"Se o doutor pagar
Cinco mil na hora
O cavalo é do senhor"

O sujeito viu que João
Estava com precisão
Pensou: "Eu nada ofereço
Vou chamá-lo pra beber
Ele vai me agradecer
E finda baixando o preço"

E assim fez
"Já almoçou?"
João disse:
"Eu tô sem palpite"
"É mais um motivo, amigo
Para aceitar meu convite
Vamo no bar da esquina
Tomar uma calibrina
Pra abrir o apetite?"

João disse:
"Eu tô me babando
Pra beber umas bicadas"
"Pois então, meu camarada
Eu estou lhe convidando"

Seguiram os dois conversando
O malandro entrou na frente
Pediu meio copo d'água
E meio de aguardente

Quando João bebeu a dele
O sujeito olhou pra ele
E perguntou: "E o cavalo?"

João disse: "Tá bem ali
O senhor pague seis mil
Se monte e pode levá-lo"

O cara pensou que João
Havia se enganado
Disse: "Vamos tomar outra?"
João disse: "Eu tô preparado"

Depois da repetição
Pergunta o espertalhão:
"E o cavalo alazão
Quanto custa no dinheiro?"

João disse: "Meu companheiro
Esse cavalo campeiro
Custa sete mil cruzeiro
E menos nenhum tostão"

Quando o malandro ouviu isso
Deu um tapa na bandeja
E perguntou enraivado:
"Quer beber uma cerveja?"
João disse: "Se o senhor pagar
Eu bebo, doutor, tô aqui
Pra lhe ajudar"


O cara pensou na hora
E disse: "Vai ser agora
Que o cavalo vai baixar"
Chamou o garçom e disse:
"Traga uma cerveja quente
E um pedaço de doce de goiaba
Aqui pra gente"


Depois da quinta golada
Da cerveja batizada
João começou a ficar tonto
E nisso o cara perguntou:
"E o cavalo já baixou?"
João disse: "Já sim, sim senhor
Já baixou pra oito conto"

O indivíduo chamou
O dono do botequim
E disse: "Misture tudo
Que for de bebida ruim
Ligeiro e traga pra mim"

O dono do bar juntou
Todo sobejo que achou
Dos bebo que foram embora
Pensando que em meio porre
Beber desse dhabo
Ô morre, ô erra a casa onde mora

Entregou ao camarada
Que botou na mão de João
E disse: "Beba ligeiro
Que pra nós se dar a questão"

"E essa fumaça que tá saindo da taça
O que é?"
"É a cachaça de manipuerachoca
Do engenho São José"

João pego beber em pé
E com pouco tava de coca
O espertalhão pensou:
"Agora eu ganho a parada"
Pergunto: "E o cavalo
Quanto custa camarada?"

João disse: "Nessa toada
Tá rim de nois se entender"
O cara: "Eu quero saber
É o preço do alazão"

João respondeu: "Cidadão
Desculpa eu ter lhe empaido
Mas meu cavalinho de prado
Não é pra vender mais não"

Quando o malandro ouviu isso
Faltou pouco pra morrer
Perguntou: "Não vende mais
Porque eu posso saber?
Se de manhã era cinco
Como vi você dizer
Agora é quase dez
E não é mais pra vender"

João disse: "É, eu ia vender
Pra beber umas bicadas
Mas agora já tô bebo
Sem precisar gastar nada
Não vou vender ele mais não
E nesse cavalo outro macho
Num se monta
Mas eu juro a vocês três
Que quando eu vim d’outra vez
Nos cinco divide as contas

Inté logo, eu vou me embora
Dar de comer ao meu poldo
Que já deve tá com fome
E precisa ficar gordo
Pra dar coice nos espertos
Muito prazer, João Goberto
Primo de Miguel Leopoldo.

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